sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O gosto do ciúme

Para muitos, o sentimento é sinônimo de amor e cuidado, mas basta errar um pouco na dose para ele fazer desandar a receita de um relacionamento saudável O ciúme exagerado faz uma relação se tornar frágil tal qual a casca do ovo. Ele é como um inquilino que mora dentro do peito. Discreto no começo, não sinaliza problema e até é encarado com certa graça. Mas basta um olhar desviado ou uma frase mal interpretada para o sentimento, antes pequeno, tomar grandes proporções e criar uma confusão daquelas. Estamos falando do ciúme.
Por causa dele, nos sentimos traídos e incompreendidos, falamos mais do que devíamos. O resultado de tudo isso é um baque capaz de abalar até mesmo os relacionamentos mais sólidos.
O intrigante é que, mesmo sabendo disso, estamos sujeitos a vivenciá-lo repetidas vezes. "Essa é uma emoção normal, muito presente na vida do ser humano", explica o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, autor do livro Ciúme - o lado amargo do amor (Editora Ágora). Ter ciúme é tão natural quanto uma dor: todo mundo sente vez ou outra e toma as medidas necessárias para que passe.
O problema é quando essa dor começa a ser uma companhia constante. São tantos os sentimentos que vêm à tona e ajudam na explosão de uma crise de ciúme que fica difícil defini-lo. No entanto, é essencial ressaltar que, em qualquer circunstância, essa emoção caminha de mãos dadas com a insegurança.
"O ciúme surge do receio que alguém possa tomar nosso lugar, nos colocando em uma situação de desprezo ou esquecimento", analisa Miguel Perosa, professor do departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A sensação é de ameaça. E você sabe, em momentos assim, todos os nossos instintos entram em cena e podem fugir do controle.
Isso explica as inúmeras manchetes de jornal com finais tristes, vividas por pessoas ciumentas. Mas há quem prefira analisar os fatos por uma óptica mais branda. Para muita gente, o ciúme é como uma espécie de termômetro do amor e, assim sendo, sua ausência é encarada como descaso.
"É uma visão mais romântica que só funciona quando se trata de uma dose moderada, que não ultrapasse os limites da individualidade", completa Perosa. Baseado nessa versão surgiu o ditado popular "Quem ama cuida" - frase que vive na ponta da língua dos ciumentos e é utilizada como álibi para justificar suas atitudes possessivas. Acontece que, embora sejam constantemente colocados no mesmo patamar, zelo e ciúme são sentimentos bastante diferentes.
"O primeiro é altruísta, pois se sustenta no cuidado e preocupação com o outro. O segundo tem um fundo egoísta, já que vem do medo de perdermos o valor que temos para alguém", comenta Santos.
Por isso, melhor do que buscar alguma desculpa é seguir o conselho dos especialistas: atentar à medida e cuidar do problema, logo no início, impedindo que ele se torne maior.
"As pessoas gostam de sentir que o outro se importa com o relacionamento, mas tudo tem limite", pondera a psicoterapeuta Mara Pusch, consultora de comportamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desconfiar do parceiro e testá-lo em qualquer oportunidade, portanto, são sinais de desequilíbrio, o que pode envenenar e destruir a relação.

Erro de foco

É claro que algumas pessoas colaboram para as crises de ciúme de seus parceiros, seja pela beleza, carisma ou pela forma como lidam com os relacionamentos anteriores. É importante ressaltar, entretanto, que nem sempre a origem do problema está no outro. "Geralmente, além de não confiar na pessoa amada, o ciumento tem baixa autoestima e não confia em si mesmo.
Assim, não acredita que possa ser amado e vive na iminência de perder o afeto do outro", conta a professora da Unifesp. O inverso também acontece. "Algumas pessoas são tão egocêntricas que desejam ser sempre o alvo das atenções. Então, tornam-se possessivas, controlando qualquer atitude que possa ofuscá-las", afirma o psiquiatra Santos.
Olhar para si mesmo e perceber tais caracte- rísticas faz que muita gente prefira engolir a seco seu ciúme a expor suas fragilidades emocionais. Puro orgulho. E é melhor ficar esperto, pois essa pode ser uma armadilha.
Quem sufoca por muito tempo aquilo que sente, acaba sobrecarregando o psicológico e pode sofrer uma verdadeira explosão de sentimentos, que vem assim, de repente. Sabe aquela história de estar tão saturado que uma simples palavra - daquelas que, se dita em outro momento, passaria despercebida - pode ser a gota d'água? Melhor não pagar para ver o resultado.
"O ideal é que haja espaço no relacionamento para falar sobre o ciúme, expor o que desagrada, procurar soluções e mais segurança com a ajuda do companheiro", diz Santos. E se ainda assim a situação estiver complicada, a ajuda de um especialista pode ser funda- mental para levantar as razões que levam a tanta insegurança e as melhores formas de trabalhar isso.

Não sufoque aquilo que sente. O melhor caminho é a conversa

Lidando com a fera
Não deixar que o ciúme atrapalhe a relação é uma tarefa complicada. Se você é ciumento, seguem algumas dicas:
O primeiro passo é reconhecer que é ciumento e tentar entender os motivos que favorecem esse comportamento.
Fingir que nada aconteceu ou reprimir seu ciúme não ajuda em nada. O melhor é dialogar com o parceiro para que juntos encontrem uma solução.
A conversa não pode ter tom de cobrança e nem de acusação. Por isso, espere o melhor momento. Não se deixe levar pelo calor das emoções.
Entenda que, se alguém está com você, é porque foi atraído e conquistado por suas qualidades. Acredite em seu potencial e pare de fantasiar o pior.
Respeite o espaço do outro. Afinal, é quando nos sentimos sufocados e insatisfeitos que começamos a olhar para os lados e achar defeitos no relacionamento.

FONTE:Patrícia Affonso