domingo, 25 de outubro de 2009

Doutor, por que meu filho não come?

A maioria das crianças tem um apetite voraz até por volta dos 18 meses. São verdadeiros “limpa-trilhos”. Comem praticamente tudo o que se coloca no pratinho. São capazes, inclusive, de repetir o prato principal antes de devorar a fruta e beber todo o suco. Essa voracidade tem explicação: nos dois primeiros anos de vida, os pequenos crescem como jamais irão crescer ao longo da vida. O peso de nascimento triplica no final do primeiro ano de vida e quadruplica no segundo aniversário da criança. A altura de nascimento aumenta em 50% ao final do primeiro ano. Para dar conta desse crescimento “imparável”, só mesmo comendo muito. Mas o ritmo do crescimento um dia diminui. Isso ocorre por volta dos 2 anos.

Metabolismo menos acelerado significa menos voracidade nas refeições. A criança que raspava o prato agora engole três colheradas. A fruta e o suco só são ingeridos na marra. Acostumadas com o pequeno glutão em casa, as mães se assustam com a mudança do padrão alimentar infantil. “Elas entram no consultório pediátrico preocupadas, dizendo que o filho não come”, diz Carlos Alberto Nogueira de Almeida, pediatra e nutrólogo, diretor do departamento de nutrologia da Associação Brasileira de Nutrologia.

Embora seja normal e esperada, a diminuição do apetite, se provoca inquietação na mãe, deve ser investigada. Isso não significa submeter a criança a uma série de exames invasivos. “Em uma boa consulta com o pediatra já é possível descobrir se a falta de apetite está se refletindo no crescimento e no desenvolvimento infantil”, explica Almeida. Na consulta, a criança será medida e pesada (sem roupa). O peso e a altura serão colocados na curva de crescimento. O documento mostrará se a criança está crescendo bem ou não. Somente o pediatra pode fazer as orientações adequadas. Mas o médico deixa claro: a partir dos 2 anos, a criança pode vir a comer menos porque não precisa mais se alimentar tanto. “Ela não cresce mais com tanta rapidez, então gasta menos calorias”, afirma o nutrólogo.

ANOTAÇÕES SOBRE O QUE COMER
Nem sempre a falta de apetite infantil que tira o sono da mãe é um problema real. Nogueira está acostumado a atender mães que reclamam que o filho não come nada, mas depois de uma boa investigação ele descobre que a criança não come o que as mães colocam no prato por falta de fome. “Peço às mães que anotem, durante uma semana, tudo o que a criança ingere ao longo do dia. Elas descobrem que o filho come muito doce, bolacha, bala”, diz o nutrólogo. Se uma criança de 2 anos necessita de 1.200 calorias por dia, em cada refeição deverá ingerir pouco mais de 250 calorias. Ou seja, precisa comer pouquinho. Mas, se entre as refeições a criança está sempre mastigando algo, quando chega a hora de sentar à mesa, ela simplesmente não quer comer. “Costumo dizer que a criança não come arroz, carne e legumes, mas ingere muitas calorias erradas”, afirma Nogueira.

SELETIVIDADE ALIMENTAR
Além da queda no apetite, o desenvolvimento infantil traz também o período de seletividade alimentar, algo que restringe o que a criança come. “É normal ela só beber suco de uva e um dia, do nada, dizer que não gosta mais do suco. Isso é seletividade alimentar. Um período cíclico que vai definir os gostos, a preferência de sabor”, explica Nogueira. É uma fase importante e que começa também por volta dos 2 anos e se estende até cerca de 8 anos. Então, se seu filho tem dito ultimamente que não gosta de sabor salgado e só quer saber dos sabores doces, talvez esteja nesse momento cíclico, assim como aquela criança que rejeita comidas verdes ou grãos (feijão, ervilha, lentilha).

Não dá para forçar a criança a comer o que ela não curte. Mas sempre é possível deixar a comida rejeitada na mesa e oferecê-la. “Se a criança come apenas maçã, tudo bem. Coloque a maçã na mesa e também a manga cortada e pergunte se ela não quer um pedaço da fruta amarela”, diz o médico. Além da paciência, a criatividade é necessária nesses períodos de seletividade. “Oferecer um cardápio diferente dia a dia e dentro do próprio dia, com diferentes alimentos, sabores, consistências, cores, preparações, reduzindo a monotonia, é uma boa alternativa para contornar o paladar restrito”, ensina a nutricionista Roberta Portes. “Nos momentos mais difíceis, naqueles em que a criança parece não querer nada, dê apenas alimentos saudáveis. Não se renda muito aos doces ou às comidinhas ricas em sal e gorduras, mesmo que sejam da preferência da criança”, afirma Roberta.

PREFERÊNCIA ALIMENTAR
Há ainda crianças com um paladar bastante seletivo. Rejeitam praticamente tudo, pois têm uma preferência de sabor muito particular. Em casos assim, também não se deve forçar a criança a comer o que não gosta. Basta recorrer à mesma estratégia de oferecer outro alimento saudável, num cardápio variado e colorido durante o dia. “Estudos mostram que a criança tem de experimentar até 10 vezes o alimento para decretar que não gosta”, explica o médico. “Se ele tenta experimentar e em todas rejeitar, é porque não gosta mesmo”, explica Nogueira.
Os pais devem resistir ao canto das sereias que é substituir o alimento enjeitado por chocolate ou doces industrializados. A criança não estará bem alimentada. “Há fases do desenvolvimento da criança que ela tende a preferir um único grupo ou único alimento, mas a oferta contínua de um cardápio variado e colorido é um dos fatores que influenciará na construção de um hábito alimentar saudável”, diz a nutricionista Roberta. Revista Crescer