terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tristeza fora de hora

O nascimento de um filho é motivo de alegria quase incontestável. Mas algumas mulheres não conseguem aproveitar esse momento por causa da depressão pós-parto. O psiquiatra Amaury Cantilino conta que a situação não é incomum e tem solução

Uma sensação de inadequação ao seu novo mundo, vontade de chorar, angústia. E tudo isso não passa quando a mulher olha para aquele rostinho lindo no berço. Até piora. A depressão pós-parto atinge 12% das mães em todo o mundo. Muitas tentam esconder o sentimento, agravado pela vergonha de não se adaptar aos padrões de maternidade feliz mostrados na televisão, ou decantados por suas amigas. “Fingir que não está acontecendo nada é o pior que se pode fazer”, diz o psiquiatra Amaury Cantilino. Doutor em Neuropsiquiatria e coordenador do Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o médico estuda depressão pós-parto há dez anos e já tem vários trabalhos publicados sobre o assunto. Vem dele uma notícia alentadora: “Depressão pós-parto pode ser facilmente tratada”.

Quais as principais causas da depressão pós-parto?

A principal causa é biológica. Logo depois do parto há uma queda abrupta nos níveis de estrógeno, o hormônio feminino. No final da gravidez ele está centenas de vezes mais alto do que no caso de uma mulher não grávida. Nas primeiras 48 horas depois do parto, volta aos níveis pré-gravidez. É brutal. Sabemos que há uma relação íntima entre os níveis de estrógeno e de serotonina, o neurotransmissor envolvido no humor. Daí a depressão. Juntase ao desequilíbrio hormonal o fator social. A mulher fica totalmente envolvida com os cuidados com o bebê, o corpo ainda não voltou ao seu normal, muitas se preocupam com o mercado de trabalho, outras sentem que perderam o protagonismo que tinham durante a gestação. É muita mudança. Acho esse período um verdadeiro teste de sanidade. Se a mulher passar bem por ele, deve encarar bem qualquer situação.

Dormir pouco também pode agravar a depressão?

Com certeza, o sono fragmentado é um agravante. Uma experiência interessante foi realizada pela Universidade de McMaster, no Canadá. Eles criaram um programa por meio do qual a mulher dorme a noite toda, por pelo menos seis horas, durante cinco dias na primeira semana depois do parto, sem ter seu sono interrompido pelo choro ou para amamentar. Para conseguir isso, elas contam com a ajuda da família e tiram o leite durante o dia. O estudo ainda está em andamento, mas os dados preliminares mostram que essas mulheres têm uma chance muito menor de desenvolver a doença.

Quem é mais suscetível a apresentar o quadro?

As mulheres que viveram situações estressantes durante a gravidez, como a morte de um ente querido, têm mais chance de desenvolver o problema. Outro fator determinante é o apoio familiar. As que recebem menos apoio são bem mais suscetíveis. Mesmo que o excesso de palpites da mãe ou da tia possa incomodar, é importante tê-las por perto. Parece não haver uma relação da doença com classe social. Uma pesquisa realizada em Recife indica que a prevalência é a mesma entre as mães que tiveram filhos em hospitais públicos ou privados. Por fim, quem costuma ter tensão pré-menstrual (TPM) intensa, principalmente com sintomas afetivos como irritação e sensibilidade, também está mais propensa à depressão pós-parto, bem como mulheres que passaram por gravidez múltipla.

Quem teve depressão na primeira gravidez terá também na segunda?

A chance é bem maior. E quem não teve na primeira gravidez pode ter na segunda.

A maioria das mães que sofrem com a doença têm pensamentos obsessivos, como jogar o bebê pela janela. Ela não quer pensar assim. Isso, é claro, causa angústia

É possível perceber algum sintoma durante a gravidez?

Sim. Entre eles estão preocupações excessivas, medo intenso em relação ao parto, medo de assumir responsabilidade de mãe. Tensão muscular e dificuldade para se concentrar também são indícios.

Há alguma coisa que possa ser feita ainda durante a gravidez?

Algumas atitudes podem ajudar a acalmar a futura mãe e, assim, reduzir a chance de a doença aparecer. Vale já programar quem vai cuidar da criança, conversar com possíveis babás, fazer cursos. Enfim, coisas que possam reduzir a ansiedade. Os tratamentos medicamentosos parecem não funcionar. Mulheres que tiveram depressão depois da primeira gravidez foram aconselhadas a tomar antidepressivo durante a segunda gestação. Mas os benefícios não foram significativos.



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