quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A dor como ela é

Quem quer pensar em algo que nos faz sofrer? Felizmente, cientistas encararam o desafio e fizeram descobertas que podem ajudar você a se sentir muito melhor
Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”, escreveu William Shakespeare. No que se refere à saúde, a mulher brasileira parece discordar do dramaturgo inglês. Ela sente e suporta a dor — mais do que deveria. Uma pesquisa feita em 2008 pela Pfizer e pelo Ibope com 1,4 milhão de pessoas constatou que 93% das entrevistadas já tiveram cefaleias, 65% sofreram com a coluna e 56% padeceram de cólicas menstruais. A maioria das mulheres (69%) só procura o médico quando o incômodo vai de moderado a intenso. Até lá, engole uma pílula, faz compressas e lança mão de outras receitinhas da vovó.

A demora em buscar ajuda pode custar caro. “O propósito da dor é chamar sua atenção de modo que você conserte um problema”, afirma Scott M. Fishman, chefe da divisão de medicina da dor da Universidade da Califórnia, nos EUA. Seja sob a forma de perfuração, queimação, compressão, seja sob a forma de choques, o incômodo tem um papel a cumprir. Trata-se de um alarme tão importante que foi alçado pela OMS à condição de quinto sinal vital — aquele que deve ser checado pelo médico para atestar a boa saúde. Por isso também caiu por terra a lenga-lenga de que é preciso engolir o choro. Ao ignorar o sintoma, corre-se o risco de deixar passar batido doenças que seriam controladas mais facilmente se apanhadas no início. Embora a ciência engatinhe para desvendar suas origens e a maneira como seus impulsos são processados no cérebro, os tratamentos evoluíram muito. Confira as últimas descobertas antes de esquentar a bolsa de água quente.


NUANCES PESSOAIS
A ciência confirma: você não está com frescura se sofre para depilar a axila, enquanto suas amigas não se importam com isso. “Imagens obtidas por ressonância magnética mostram que, se alguém diz que algo dói, de fato dói”, afirma Michael S. Gold, professor de medicina da Universidade de Pittsburgh, nos EUA. Um dos responsáveis por essa diferença é o DNA. “Pesquisas em animais mostram que a carga hereditária influencia a percepção de 30 a 75%”, diz Jeffrey S. Mogil, especialista em genética da dor na Universidade McGill, no Canadá. Então, se sua mãe grita ao bater o dedão no pé da mesa, é provável que você reaja do mesmo modo. Fatores psicológicos também contam. Pesquisadores da Universidade Wake Forest, nos EUA, testaram o peso da expectativa: voluntários avisados de que sentiriam um leve desconforto relataram menos sofrimento em comparação aos alertados para se prepararem para o pior. A diferença foi de 28%, semelhante ao alívio produzido por analgésicos potentes.


ALARME QUEBRADO
Uma dor é chamada de crônica se persiste por mais de três meses, como se o alarme que deveria soar só em emergências quebra e não desliga. Submetido a estímulo prolongado, o sistema se desgasta. Nervos projetados para conduzir outros impulsos sensoriais são recrutados, de modo que o tormento continua mesmo na ausência do estímulo. Em casos de martírios ininterruptos, seu corpo envia sinais reais, que, além de aumentar as chances de depressão, agridem a mente. Uma pesquisa do Journal of Neuroscience constatou que o cérebro de pessoas com sofrimento crônico nas costas tinha até 11% menos massa cinzenta em comparação aos que estavam livres do tormento. A explicação provável: os neurônios requisitados são tão exigidos que morrem mais cedo.

TOMANDO PARTIDO
Quem já cuidou de namorado gripado jura que as mulheres são mais resistentes à dor. Mas, de acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor, é o contrário: o sexo feminino possui menor tolerância a esses estímulos. “Na mulher, o incômodo é mais intenso, recorrente, dura mais tempo e responde menos a analgésicos”, diz a anestesista Fabíola Peixoto Minson, coordenadora da equipe de tratamento de dor do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Dores na face, pescoço, ombros, joelho e costas atingem 1,5 mulher para cada homem; na enxaqueca, a proporção é 2,5 para 1, e na fibromialgia, de 4 para 1. Nós representamos 72% dos sofredores crônicos. Os hormônios contribuem para a diferença entre os sexos e nós somos mais sensíveis na segunda metade do ciclo menstrual. Por isso, evite marcar o dentista e a depilação nesse período. E, quando as dores persistirem, considere procurar um centro especializado. “Às vezes, não é possível zerar a dor”, diz Fabíola Minson. “Mas o incômodo pode ser aliviado.” Abrir o jogo com o médico não faz de você uma covarde. Trata-se de uma estratégia inteligente de saúde para o século 21.
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