sábado, 28 de setembro de 2013

Sem medo do AVC: é possível prevenir a doença que mais mata no país


Até o final da leitura deste texto, uma pessoa terá morrido em decorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) — principal causa de óbito no Brasil. A incidência aumenta em 20% no inverno e as regiões Sul e Sudeste são as que mais somam casos de derrame. Prevenir o aparecimento da doença é simples. Basta seguir as determinações da boa saúde: alimentação de qualidade, controle do colesterol, da pressão arterial, além de cultivar a prática de exercícios físicos e não fumar.

De acordo com o Datasus, o banco de dados do Ministério da Saúde, houve um crescimento de 64% nas internações por AVC (Acidente Vascular Cerebral, popularmente chamado de derrame) entre homens de 15 a 34 anos, e de 41% entre mulheres na mesma faixa etária.

Para o neurologista Eli Evaristo, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a primeira causa para o aumento é a melhora no diagnóstico. Mas colabora também o fato de que doenças como a hipertensão - um fator de risco importante para o AVC - tem acometido cada vez mais jovens. Alterações de hábito alimentar (consumo mais alto de sal), o sedentarismo e aumento da obesidade em jovens são alguns motivos para isso. Tabagismo, diabetes, doenças cardíacas e uso de drogas também são fatores que podem aumentar o risco de derrame.

A dentista Paula Luz sofreu um AVC aos 27 anos, oito meses antes de se casar. Ela estava prestando uma prova para entrar para a Marinha e, ao sair da piscina, sentiu uma forte dor em um lado da cabeça e tremores. O processo de reabilitação envolvia três sessões diárias de fisioterapia. Ela teve que reaprender a andar e hoje, após uma longa reabilitação, ela recuperou todos os movimentos.

O coração batendo descompassado e uma tosse insistente são alguns dos sintomas mais frequentes de quem esteve próximo a ter um derrame, como Maria Amelia Mello Pinho, 72 anos. Em meados de 2008, crises sucessivas de estresse fizeram com que a aposentada saísse em disparada para o pronto-socorro, em Gravataí, município da Região Metropolitana.

— Foi um susto. Precisei levar uns choques no peito e ser internada. Depois desse dia, passei a tomar anticoagulante diariamente e controlar mês a mês os níveis de coagulação do sangue — conta Maria Amelia.

O fato de ter as taxas de glicose, colesterol, e os níveis de pressão equilibrados podem ter ajudado a livrar a aposentada de ter um AVC. Sorte não desfrutada por 400 mil indivíduos a cada ano no país — o equivalente ao número de habitantes de Caxias do Sul, a segunda cidade mais populosa do Estado. Desses, até 30% morrem em seguida do ataque. Do restante, 60% morre em cinco anos.

A principal causa do AVC isquêmico, o tipo mais fatal e que mais deixa sequelas, é a hipertensão arterial. Para abordar o assunto e trabalhar na prevenção, na quarta-feira passada foi celebrado o Dia da Consciência Vascular, sob o tema Mantenha-se em Circulação.

— A forma mais simples de resolver é deixando a vida sedentária.Com isso, os outros índices vão se ajeitando aos poucos — aponta Adamastor Humberto Pereira, presidente da Regional Rio Grande do Sul da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular.

Especialistas destacam que um dos principais erros cometidos pelos pacientes é demorar para procurar ajuda. Logo após os primeiros sintomas, cada minuto se torna precioso. Portanto, esperar que algum familiar chegue em casa para tomar providências ou ir sozinho ao hospital só atrasa o diagnóstico.

— O mais prudente é chamar a Samu, no 192. Esses profissionais estão habilitados a orientar desde o telefonema e sabem quais hospitais são mais indicados — explica a neurologista Sheila Cristina Ouriques Martins, coordenadora da ONG Rede Brasil AVC, que tem sede no Rio Grande do Sul.

Para o neurologista vascular Alexandre Pieri, responsável pelo ambulatório de AVC da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), a ausência de sintomas, porém, não significa que a pessoa não tenha que se cuidar.

— Apenas um terço dos pacientes apresenta sinais de que estão tendo um derrame, como falta de força de um lado do corpo ou distúrbios na fala. Eles se assustam e vão ao médico. O restante não tem essa sorte. O negócio é prevenir.

Novos medicamentos ajudam a prevenir

A indústria farmacêutica tem evoluído a passos largos no desenvolvimento de drogas que ajudam a prevenir o AVC provocados por fibrilação atrial — um dos tipos mais comuns de arritmia e responsável por um a cada seis derrames. Após 50 anos sem novidades no segmento, uma nova geração de anticoagulantes chegou ao mercado nesse mês. O primeiro tem a dabigatrana como princípio ativo e já foi aprovado pela Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa).O segundo, a  rivaroxabana, já está em fase final de estudos e pode ser liberado em breve. Em comum, têm o benefício de quebrar um pouco a dependência do paciente com o médico.

Para Gilberto Nunes, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Socergs), os níveis de prevenção do derrame são praticamente os mesmos dos que já existem. As vantagens estariam na comodidade.

— As drogas dispensam os tradicionais exames de sangue para controlar os níveis de coagulação e também não interagem com outros medicamentos ou alimentos que contenham a vitamina K, como alface e brócolis. Mas tem um fator limitante, que é o preço (cerca de R$ 250).Ele é bem aplicado naqueles pacientes que não tem responsabilidade ao fazer o tratamento.

Aderir à risca às prescrições do médico é crucial. Poucos o fazem. Um pesquisa recente realizada em parceria com a ONG Rede Brasil AVC constatou que apenas 8% daqueles que tiveram derrame estavam utilizando o medicamento.

Números da doença

:: Incidência
- 1 em cada 6 pessoas terão o problema, estima a Organização Mundial de AVC
- 70 mil brasileiros morrem de AVC todos os anos — essa é a doença que mais mata no país
- 1 em cada 10 pessoas que sofreram um AVC tem outro ataque nos 12 meses seguintes

:: Tipos
- Em 85% dos casos, o AVC é isquêmico, quando um coágulo ou placa de gordura se instala em uma das artérias cerebrais, reduzindo ou impedindo a circulação sanguínea. Este coágulo pode se originar diretamente no cérebro, ou tem origem no coração ou nas artérias carótidas ou vertebrais e depois migrar para o cérebro.
- O AVC hemorrágico é caracterizado pelo rompimento de um vaso sanguíneo, desencadeando uma hemorragia no cérebro.

:: Progressão

- A cada hora sem tratamento, são perdidos 120 milhões de neurônios - ao todo o cérebro tem cerca de 90 bilhões dessas células.
- Após o AVC, o cérebro usa sua capacidade de plasticidade neuronal para fazer com que outras áreas assumam as funções de coordenação executadas pelos neurônios danificados.

:: Corrida contra o tempo Quanto mais rápido o atendimento, menor o dano. O que deve ser feito:

  - Até 4,5 horas após o início: pode ser dado o medicamento trombolítico, que irá estimular o organismo a destruir o trombo e reduzir em até 30% as sequelas. Porém, apenas 5% chegam a tempo. Além disso, a droga não pode ser aplicada em pacientes suscetíveis a hemorragia. - De 4,5 horas a 8 horas após o início: é feita a terapia interarterial, na qual um cateter é usado para facilitar a destruição do trombo.

AVC hemorrágico

- Não há medicamento. O que se deve fazer é controlar a pressão sanguínea nas primeiras horas para evitar que a lesão aumente.
 
Kamila Almeida