Muitas são as perguntas que chegam com queixas a respeito de namoros que não duram, de pessoas que percebem dificuldades em manter o relacionamento por longos períodos, de desencantos logo no início do namoro e assim por diante, ou seja, queixas sobre rupturas muitas vezes precoces que geram dúvidas e perguntas: quem errou? em quem está a falha?
Para exemplificar segue a seguinte pergunta "Meus relacionamentos não duram mais de um mês. Conheço alguém, me empolgo muito, mas depois começo a enjoar e a brigar por bobeira. Quero muito encontrar alguém especial e que me complete. Mas todos que conheço sempre têm defeitos que eu não suporto. As vezes, chego a pensar que o erro está em mim. Gostaria de alguma opinião que pudesse me ajudar a tornar permanentes minhas relações, uma vez que acabo perdendo pessoas legais e me desgastando com esses términos. Agradeço"
Voltando no tempo, quando todos éramos crianças, vamos recordar sobre nossas primeiras relações afetivas. No primeiro momento os pais, a família, os tios, todos faziam um grande e cuidadoso esforço para se adaptar às necessidades do bebê, muita atenção, carinho, cuidados e presença. Respeito e busca de compreensão ao que o bebê precisava, atitudes e gestos adultos para atender ao frágil bebê que chega no mundo precisando fazer grandes adaptações. De forma a fazer a vida dele mais fácil, todos contribuem com muita atenção. Nesse momento, apesar de viver algumas frustrações (afinal não existe um mundo, mesmo para o bebê, sem elas) o cenário é todo trabalhado de forma que elas sejam poucas e toleráveis para o bebê. Assim ele chega ao mundo se sentindo bem vindo e acolhido. Bebês vivem com seus pais uma relação plena em amor, afeto onde ele é sem dúvida o grande centro de suas vidas. Essa relação de profunda adaptação dos adultos com relação as necessidades do bebê dura alguns meses até que pouco a pouco os pais, em especial a mãe, retoma seus interesses no mundo lá fora e transforma com o tempo sua relação com a criança e ela passa a já não ser mais o exclusivo centro das atenções. O desenvolvimento, o crescimento vem acompanhado de perdas e frustrações, mas também de boas e novas experiências.
Tudo correndo bem, todos trarão um forte e primeiro registro de poucas falhas do ambiente até que gradativamente se fortalecem à medida que essas falhas aumentam. Fica portando a marca de uma forte ilusão que o mundo é num primeiro momento um lugar feito para nós.
O que vemos, e muito hoje em dia, são adultos que possivelmente por diversas razões não conseguiram dar o salto do amadurecimento emocional e buscam ainda nas suas relações afetivas o mesmo modelo que viveram no passado com seus pais. Buscam a ilusão de uma profunda adaptação às suas necessidades, buscam relacionamentos sem falhas (apesar deles próprios terem muitas) e buscam uma completude impossível de ser encontrada nos moldes que um dia conheceram.
"Mas todos que conheço sempre têm defeitos que eu não suporto". O que ela chama de defeitos insuportáveis, nada mais é do que as características de uma personalidade diferente da sua, alguém que pensa, sente e age de forma diferente, mas importante salientar que não necessariamente detestável, simplesmente que diverge. Esse é um bom exemplo de alguém que ainda não conseguiu dar o salto que todos precisamos a fim de conseguirmos travar relações afetivas na maturidade. A dificuldade em lidar com a diferença surge dessa forma, não tolerando o defeito do outro, relembrando que o defeito pode ser nada mais que uma característica diferente da sua.
"Conheço alguém, me empolgo muito, mas depois começo a enjoar e a brigar por bobeira." . Novamente é visto um modelo possivelmente infantil onde há a primeira ilusão de perfeição, ela se empolga, se interessa, mas aos primeiros sinais de divergência e diferença entre as personalidades, a defesa que se encontra é de enjoar da pessoa e brigar por bobeira e assim se afastar da causa do sofrimento. O que denota uma atitude infantil que ao invés de perceber que o outro tem falhas, mas que também tem qualidades, se fixa apenas nos pontos onde diferem e sente apenas a frustração não conseguindo reconhecer momentos de prazer e satisfação com o companheiro, eles passam a ter um peso menor ou quase nulo frente às frustrações. A defesa para o que incomoda é então brigar e enjoar. A briga no final acaba sendo com você mesma, o outro apenas representa suas próprias falhas e dificuldades.
"Quero muito encontrar alguém especial e que me complete." Buscar alguém especial é importante, fundamental, o risco existe na condição da completude. Quando se busca alguém que complete dois caminhos podem ser seguidos o infantil e o adulto. O infantil se configura por aquele que estamos falando, um parceiro "mãe/pai" que ame incondicionalmente, que faça esforços eternos em agradar, que tenha pouquíssimas falhas e se adapte a todas as necessidades. O adulto seria aquele que completa justamente nas diferenças, com quem se estabelece trocas constantes, tolerância para as diferenças e capacidade para frustrações. Se completar não significa se encaixar perfeitamente como na ilusão do amor dos contos de fada e sim encontrar amor, parceria e troca.
"As vezes, chego a pensar que o erro está em mim." Não precisamos falar em erro, mas é sem dúvida um ponto importante sobre o qual refletir. Podemos dizer que não o erro, mas a dificuldade em lidar com a alteridade está sim em quem age dessa forma. Sabemos que essa dificuldade não é necessariamente o único determinante para que os relacionamentos não venham dando certo, mas é certamente um aspecto muito prejudicial, afinal como manter um relacionamento adulto e maduro quando se ama de forma infantil?
Conclui-se por fim que amar na vida adulta é uma tarefa conquistada dia a dia e que começa seu aprendizado no passado, nas primeiras relações. Dessa base inicial vem a estrutura que nos permitirá amar o outro apesar de suas falhas e diferenças. Com o crescimento, tão necessário crescimento, aprende-se dia a dia que se relacionar é uma aventura vivida por duas pessoas, duas personalidades que ora terão suas semelhanças e ora suas diferenças. Essa é a graça do amor na vida adulta, mas poder viver esse amor de forma prazerosa exige que um caminho emocional tenha sido percorrido. Encontrar o prazer no amor adulto requer crescimento e requer que se abra mão de muitas fantasias e idealizações, apenas assim se estará verdadeiramente livre para amar o outro como ele é, apesar de suas falhas e defeitos.
Um abraço,
Dra. Juliana Amaral
Psicóloga