Os rins, que são normalmente em número de dois, têm por funções principais filtrar o sangue de impurezas e produzir a urina. Nesse processo, substâncias que não são necessárias ao corpo, como a creatinina e a uréia, são eliminadas na urina através de um fenômeno denominado filtração glomerular.
Por outro lado, substâncias que são necessárias ao organismo, como a albumina, não são filtradas ou, se filtradas, como a água, o sódio, o potássio, o cálcio, o fósforo, o magnésio, o bicarbonato, etc, têm sua eliminação na urina modulada pelas necessidades do organismo em cada momento e sua concentração no sangue é mantida sob limites estreitos.
Além desse seu importante papel na manutenção das concentrações apropriadas de diversas substâncias no organismo, os rins também regulam a pressão arterial, a produção de hemácias (as células vermelhas do sangue) e o metabolismo ósseo, através da excreção urinária de cálcio e fósforo e da produção de vitamina D ativa.
Quando os rins ficam doentes eles podem perder suas funções de maneira rápida, o que chamamos de insuficiência renal aguda (IRA), ou de uma maneira lenta e progressiva, que é a insuficiência renal crônica (IRC). Como a IRC se instala lentamente, o paciente não sente praticamente nada até que a insuficiência renal esteja muito avançada. Isso ocorre porque o corpo vai se adaptando à perda da função renal.
Quando os rins entram em falência, a pessoa morre se não se submeter à diálise ou ao transplante renal.
Quando a IRC está muito avançada, isto é, quando a filtração glomerular é menor do que 15 mL/minuto, não existe tratamento que possa reverter ou atenuar a progressão da doença. O tratamento então se torna substitutivo renal por meio da terapia dialítica (diálise) ou do transplante renal. Se a pessoa não for tratada, por algum desses métodos, ela morre depois de algum tempo.
A diálise, embora mantenha a pessoa viva, não é capaz de substituir inteiramente todas as funções dos rins, encurtando a vida e diminuindo a sua qualidade. O transplante, por sua vez, traz o risco de infecções e do aparecimento, em longo prazo, de tumores, principalmente da pele, ou seja, dá melhor qualidade de vida, mas não prescinde um acompanhamento médico rigoroso.
A IRC em seu estágio avançado é um problema de saúde pública tanto nos países desenvolvidos como no Brasil. Dados do SUS de 2002 mostram que naquele ano existiam em diálise 40,11 pacientes por 100.000 habitantes, sendo que no Estado de São Paulo havia 46,26/100 mil habitantes. A prevalência da doença aumenta com a idade:
• 14,03/100 mil habitantes, entre indivíduos com menos de 30 anos;
• 47,63/100 mil, entre os com 30 a 59 anos; e,
• 168,28/100 mil, entre os com 60 anos ou mais.
As principais causas de IRC são a hipertensão arterial e o diabete melito.
Sinais dos rins doentes
Como a IRC se instala de maneira silenciosa , quais seriam os sinais que poderiam levantar a suspeita de que uma pessoa tem doença renal? Os sinais de alerta podem ser: mudança da cor da urina (avermelhada, cor de coca-cola) ou ela se tornar espumosa; urinar mais à noite; ardor para urinar; inchaço nos tornozelos; nos homens idosos, dificuldade em começar a urinar ou em segurar a urina e, em todas as idades, a pressão alta. A hipertensão arterial pode ser um sinal precoce de doença renal, principalmente nas pessoas mais jovens.
Como fazer o diagnóstico de doença renal? (Uma questão mais técnica...)
A suspeita vem através de uma boa história clínica e exame físico, e pode ser confirmada
por dois exames de laboratório muito simples: a creatinina plasmática e o exame de urina tipo I.
A creatinina mostra quanto os rins estão filtrando de sangue (medida da filtração glomerular) e a urina tipo I, permite averiguar se existe alguma das doenças renais que não alteram a creatinina. Cabe no entanto lembrar, principalmente aos médicos, que a creatinina plasmática só se eleva quando a filtração glomerular já está em torno de 50% e que pessoas com pouca massa muscular, como os idosos, podem já ter insuficiência renal e sua creatinina plasmática ainda ser normal.
Uma maneira mais sensível de se avaliar a filtração glomerular é utilizando fórmulas muito simples como a de Cockcroft - Gault: FG= [(140-idade) x peso]/ (Pcreat x 72) onde FG= filtração glomerular, peso em quilos, Pcreat= creatinina plasmática em mg/dL. O resultado obtido deverá ser multiplicado por 0,85 no caso de mulheres. Se o valor calculado de FG for menor do que 15 mL/min, pode-se afirmar que o indivíduo se encontra em IRC.
Quem corre maior risco de ter a IRC (Insuficiência Renal Crônica)?
São os diabéticos, os hipertensos, os idosos, os que têm cálculo renal (litíase) e aqueles que tenham na família história de doença renal. Assim, para todos esses casos deve-se fazer pelo menos uma dosagem de creatinina plasmática por ano e ter a sua filtração glomerular calculada. Para os diabéticos também se recomenda a dosagem anual de microalbuminúria, que pode estar alterada mesmo diante de filtração glomerular normal.
Como prevenir a IRC?
A prevenção pode ser realizada principalmente pelo conhecimento de que aquela pessoa pertence a um dos grupos de risco citados acima. O controle rigoroso da glicemia nos diabéticos e da pressão arterial nos hipertensos que não tenham doença renal, podem impedir o desenvolvimento da IRC.
Uma vez constatada uma doença renal, o que fazer? O objetivo primeiro é reverter a doença; se isto não for possível, retardar ao máximo a progressão da doença para a IRC e preparar o paciente para o tratamento renal substitutivo, antes que a IRC chegue ao seu estado avançado.
Existe uma recomendação americana de que todos os homens com creatinina plasmática maior que 2,0 mg/dL e as mulheres com valores maiores que 1,5 mg/dL devam ser avaliados por um nefrologista.
Como retardar a progressão da doença?
Através de um controle rigoroso da pressão arterial, do diabete e da obesidade. Outro aspecto muito importante na prevenção da progressão é sempre identificar fatores que possam estar agravando a insuficiência renal e que possam ser revertidos - como, por exemplo, as infecções urinárias, os cálculos renais que possam estar obstruindo um dos rins e, nos homens, o aumento do tamanho da próstata. Além disso, evitar o uso de drogas que sejam tóxicas para os rins (nefrotóxicas) ou, se o seu uso for absolutamente necessário, corrigir suas doses, reduzindo-as de acordo com a filtração glomerular do paciente.
É preciso ter sempre em mente que é possível prevenir o desenvolvimento da doença renal, principalmente nos diabéticos, hipertensos e litiásicos (com cálculos urinários), e que, se existe uma doença renal instalada, quanto mais cedo ela for identificada e as medidas de prevenção de progressão instituídas, maior a chance de se evitar que a insuficiência renal chegue ao estado avançado.
Profa. Dra.Regina C. R. M. Abdulkader
Médica assistente doutora, Serviço/Disciplina de Nefrologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo.
Por outro lado, substâncias que são necessárias ao organismo, como a albumina, não são filtradas ou, se filtradas, como a água, o sódio, o potássio, o cálcio, o fósforo, o magnésio, o bicarbonato, etc, têm sua eliminação na urina modulada pelas necessidades do organismo em cada momento e sua concentração no sangue é mantida sob limites estreitos.
Além desse seu importante papel na manutenção das concentrações apropriadas de diversas substâncias no organismo, os rins também regulam a pressão arterial, a produção de hemácias (as células vermelhas do sangue) e o metabolismo ósseo, através da excreção urinária de cálcio e fósforo e da produção de vitamina D ativa.
Quando os rins ficam doentes eles podem perder suas funções de maneira rápida, o que chamamos de insuficiência renal aguda (IRA), ou de uma maneira lenta e progressiva, que é a insuficiência renal crônica (IRC). Como a IRC se instala lentamente, o paciente não sente praticamente nada até que a insuficiência renal esteja muito avançada. Isso ocorre porque o corpo vai se adaptando à perda da função renal.
Quando os rins entram em falência, a pessoa morre se não se submeter à diálise ou ao transplante renal.
Quando a IRC está muito avançada, isto é, quando a filtração glomerular é menor do que 15 mL/minuto, não existe tratamento que possa reverter ou atenuar a progressão da doença. O tratamento então se torna substitutivo renal por meio da terapia dialítica (diálise) ou do transplante renal. Se a pessoa não for tratada, por algum desses métodos, ela morre depois de algum tempo.
A diálise, embora mantenha a pessoa viva, não é capaz de substituir inteiramente todas as funções dos rins, encurtando a vida e diminuindo a sua qualidade. O transplante, por sua vez, traz o risco de infecções e do aparecimento, em longo prazo, de tumores, principalmente da pele, ou seja, dá melhor qualidade de vida, mas não prescinde um acompanhamento médico rigoroso.
A IRC em seu estágio avançado é um problema de saúde pública tanto nos países desenvolvidos como no Brasil. Dados do SUS de 2002 mostram que naquele ano existiam em diálise 40,11 pacientes por 100.000 habitantes, sendo que no Estado de São Paulo havia 46,26/100 mil habitantes. A prevalência da doença aumenta com a idade:
• 14,03/100 mil habitantes, entre indivíduos com menos de 30 anos;
• 47,63/100 mil, entre os com 30 a 59 anos; e,
• 168,28/100 mil, entre os com 60 anos ou mais.
As principais causas de IRC são a hipertensão arterial e o diabete melito.
Sinais dos rins doentes
Como a IRC se instala de maneira silenciosa , quais seriam os sinais que poderiam levantar a suspeita de que uma pessoa tem doença renal? Os sinais de alerta podem ser: mudança da cor da urina (avermelhada, cor de coca-cola) ou ela se tornar espumosa; urinar mais à noite; ardor para urinar; inchaço nos tornozelos; nos homens idosos, dificuldade em começar a urinar ou em segurar a urina e, em todas as idades, a pressão alta. A hipertensão arterial pode ser um sinal precoce de doença renal, principalmente nas pessoas mais jovens.
Como fazer o diagnóstico de doença renal? (Uma questão mais técnica...)
A suspeita vem através de uma boa história clínica e exame físico, e pode ser confirmada
por dois exames de laboratório muito simples: a creatinina plasmática e o exame de urina tipo I.
A creatinina mostra quanto os rins estão filtrando de sangue (medida da filtração glomerular) e a urina tipo I, permite averiguar se existe alguma das doenças renais que não alteram a creatinina. Cabe no entanto lembrar, principalmente aos médicos, que a creatinina plasmática só se eleva quando a filtração glomerular já está em torno de 50% e que pessoas com pouca massa muscular, como os idosos, podem já ter insuficiência renal e sua creatinina plasmática ainda ser normal.
Uma maneira mais sensível de se avaliar a filtração glomerular é utilizando fórmulas muito simples como a de Cockcroft - Gault: FG= [(140-idade) x peso]/ (Pcreat x 72) onde FG= filtração glomerular, peso em quilos, Pcreat= creatinina plasmática em mg/dL. O resultado obtido deverá ser multiplicado por 0,85 no caso de mulheres. Se o valor calculado de FG for menor do que 15 mL/min, pode-se afirmar que o indivíduo se encontra em IRC.
Quem corre maior risco de ter a IRC (Insuficiência Renal Crônica)?
São os diabéticos, os hipertensos, os idosos, os que têm cálculo renal (litíase) e aqueles que tenham na família história de doença renal. Assim, para todos esses casos deve-se fazer pelo menos uma dosagem de creatinina plasmática por ano e ter a sua filtração glomerular calculada. Para os diabéticos também se recomenda a dosagem anual de microalbuminúria, que pode estar alterada mesmo diante de filtração glomerular normal.
Como prevenir a IRC?
A prevenção pode ser realizada principalmente pelo conhecimento de que aquela pessoa pertence a um dos grupos de risco citados acima. O controle rigoroso da glicemia nos diabéticos e da pressão arterial nos hipertensos que não tenham doença renal, podem impedir o desenvolvimento da IRC.
Uma vez constatada uma doença renal, o que fazer? O objetivo primeiro é reverter a doença; se isto não for possível, retardar ao máximo a progressão da doença para a IRC e preparar o paciente para o tratamento renal substitutivo, antes que a IRC chegue ao seu estado avançado.
Existe uma recomendação americana de que todos os homens com creatinina plasmática maior que 2,0 mg/dL e as mulheres com valores maiores que 1,5 mg/dL devam ser avaliados por um nefrologista.
Como retardar a progressão da doença?
Através de um controle rigoroso da pressão arterial, do diabete e da obesidade. Outro aspecto muito importante na prevenção da progressão é sempre identificar fatores que possam estar agravando a insuficiência renal e que possam ser revertidos - como, por exemplo, as infecções urinárias, os cálculos renais que possam estar obstruindo um dos rins e, nos homens, o aumento do tamanho da próstata. Além disso, evitar o uso de drogas que sejam tóxicas para os rins (nefrotóxicas) ou, se o seu uso for absolutamente necessário, corrigir suas doses, reduzindo-as de acordo com a filtração glomerular do paciente.
É preciso ter sempre em mente que é possível prevenir o desenvolvimento da doença renal, principalmente nos diabéticos, hipertensos e litiásicos (com cálculos urinários), e que, se existe uma doença renal instalada, quanto mais cedo ela for identificada e as medidas de prevenção de progressão instituídas, maior a chance de se evitar que a insuficiência renal chegue ao estado avançado.
Profa. Dra.Regina C. R. M. Abdulkader
Médica assistente doutora, Serviço/Disciplina de Nefrologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo.